terça-feira, 25 de julho de 2023

August Schulz: o escritor anônimo

Quero hoje, exatamente hoje, quando se completam 50 anos do seu passamento, prestar uma pequena homenagem ao meu avô August Schulz. Meu 'muso' inspirador, que muito escreveu me sua vida terrena, nada publicou. E que me inspirou a escrever também. Sou grata por seu exemplo. 

Hospitalizado no Hospital Santa Catarina, devido a um AVC, foi em torno das 14hs que August partiu desta dimensão. O Relógio Cuco da sala, em casa, parou exatamente na mesma hora. E nunca mais lhe deram corda. Era o Opa quem dava corda, sempre que precisava. Ele subia numa cadeira, abria a porta de vidro do relógio, pegava a chave que estava ali, na caixa do relógio, encaixava e girava quantas vezes fossem necessárias. Assim eram os relógios. Gostava de ouvir o Cuco a cada hora!

Ainda o vejo sentado à mesa de trabalho, a grande escrivaninha no seu pequeno escritório, posicionada bem diante da janela daquele quarto. Ali era onde mais ficava quando não estava inventando e consertando na oficina do comprido rancho. Ou quando estava capinando, roçando e cortando galhos das árvores no mato do morro. O morro ficava ao lado da casa e ali meus avós plantavam aipim, morangos, milho e tinham muitas árvores frutíferas onde os netos se dependuravam de ponta cabeça nos galhos. Ou simplesmente se empoleiravam nos galhos só pra colher e saborear as frutas maduras.

O Opa August Schulz tinha comprado uma boa gleba de terras, alí no começo da rua Araranguá, logo depois do HSC. Na verdade, tinha comprado a pedido de um irmão, que desistiu do negócio quando este já estava fechado. Meus avós se mudaram então para a casinha que havia ali nesta gleba. Plantaram e colheram e viveram muito bem por estes lados. Tempos depois construíram uma nova e espaçosa casa, a Casa Verde.



Havia nos fundos do terreno duas fontes naturais de água, o que permitiu a August construir três grandes e lindas lagoas, nas quais foram criados muitos peixes. Quando estas foram esvaziadas, ficaram de lembrança os muros de tijolos que continham as águas. E no leito destas lagoas, hortas e plantações de bananas, milho e cana de açúcar tomaram lugar. 

A gleba era extensa e a rua Araranguá passava pelo meio. Com picareta, pá e enxada na mão, abriu um caminho na parte mais abaixo, mais plana do terreno. Este caminho aberto por ele, se tornou depois o Beco Murici e que hoje é a rua Murici. Abriu o caminho e loteou o terreno ao longo deste caminho. As filhas e o filho também receberam, cada um, o seu lote. Os demais foram vendidos a amigos, parentes e interessados.

Oma Emilia
August, nascido em 1905, era um tipo de personalidade ímpar: singular no seu jeito de ser e viver. Correto e justo no modo de ser, de agir, de se envolver fosse no que fosse. E era muito inventivo e criativo, autodidata. Aprendeu sozinho a lidar com teodolito e media terras sempre que lhe pediam. Na oficina que tinha no comprido rancho, uma serra-fita elétrica, grande, permitia cortar a lenha sem esforço. Lenha essa usada no fogão da cozinha e no forno que ficava na área externa, junto à área de lavação de roupa. Outra moenda manual para triturar milho também estavam ali no rancho, perto do galinheiro. Sim, o rancho acabava no galinheiro! Galinhas comuns, carijós, galos, galos garnizé e codornas eram ali criados e abasteciam as refeições da família. Eu e meu irmão costumávamos passar, por ano, uma ou duas semanas de férias na casa deles e sempre ajudávamos no que precisava, tipo triturar milho na moenda, picar aipim para as galinhas, catar ovos, catar capim para as galinhas etc. Colher frutas e morangos também fazia parte do nosso serviço de netos. 

A gente também brincava! E muito! No terreno havia caixas de areia e era onde gostávamos mais de brincar. Também fazíamos pequenas escavações no barranco, na frente de casa, simulando ruas para nossos carrinhos. Na frente da casa havia muitos canteiros de flores, que a Oma cultivava. Toda tarde estes canteiros precisavam ser molhados. Em geral eu puxava a mangueira e molhava os canteiros.

Mas havia dias de chuvas... intensas chuvas. Ou frio. Intenso frio. Ou dias pra simplesmente relaxar. Ou botar a papelada em dia. Era quando August se recolhia no seu escritório e se debruçava sobre a mesa, lotada de cadernetas, papéis e sua máquina de escrever. Havia também apitos para chamar passarinhos, um ninho de passarinho num pedaço de tronco, quadros de aves e um armário. Duas janelas proporcionavam claridade e ventilação


Casa dos pais de August em Benedito Novo
Certo dia, sua neta Tânia pediu que escrevesse memórias do seu tempo de infância e juventude. Do tempo em que morou na casa dos pais, em Benedito Novo. E foi então que surgiu o caderno "Erinnerungen" - 'Memórias", todo escrito à mão, em alemão. O ano? 1966. Uma riqueza de obra! O Opa conta neste caderno as muitas travessuras, aventuras e desafios vividos entre os anos de 1907 e 1921. 


Anos mais tarde recebi este caderno em mãos, em duas cópias feitas por ele. E pude traduzir e então publicar as suas histórias ali descritas e estão acessíveis em vários volumes do Blumenau em Cadernos, no Arquivo Histórico de Blumenau. 








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